12.11.09

das confissões do eu


na primeira vez que me cortei, não foi com força que a faca atravessou meus pulsos. pelo contrário, o gesto – ainda lembro – estava inundado de hesitação. foi cerca de um ano depois da tua partida, e minhas mãos ainda pesavam em luto e profundo desespero, fresco como a agonia daninha que me invadiu naquela tarde. não sei bem quando foi que comecei a te amar, se dois dias ou dois meses pós-íntima-troca-de-sorrisos-vagos. não sei bem quando promovi a melhor o teu simples título de amigo. muitas coisas daquele tempo não me são mais claras. ainda assim, compreendo tua falta com a mesma lucidez de muito tempo atrás. oito anos. ainda te sinto. ainda me firo para sentir. esta dor de estar no mundo quando tu não mais estás, esta incompreensão latente frente a certos acontecimentos inevitáveis da vida. hesitei, mas afundei o metal até ver brotar uma bem minúscula gota de sangue e, ali, em uma noite fresca de outono, me senti melhor pela primeira vez desde o telefonema que dividiu meu peito em dois. dez minutos depois, a coagulação trouxe de volta o desconforto depressivo que eu havia enclausurado no primeiro armário que vira, mas nunca mais consegui negar a pálida sensação de esquecimento proporcionada pelos tímidos gestos vacilantes que, com o correr dos anos, tornaram-se certeiros e rápidos. era algo como uma maldição, que empalidecia mais e mais os breves momentos de blecaute, um vício doloroso e necessário; um segredo à flor da pele que me humanizava profundamente e perseguia meus demônios. uma incisão que se desdobrou em múltiplas sensações e reconfortou poucos minutos mortos e frios. lembro também da última vez que me cortei – posso até sentir o cheiro chuvoso do meio-dia. não dormia bem há semanas. não sentia mais muita coisa. brigava para mover os pés. infernais, os tempos. surdos, enjoativos. tortos. e eu, ajuntamento de órgãos e sentidos, chorando as dores de perdas longínquas e desarmonias recentes. um micro-segundo latejante testemunhou a habilidade voluntária de minhas mãos, outro o corte de minha pele branca, e outro o alívio conseqüente, curto e impreciso e inseguro. o sangue-rubi, desta vez, correu profusamente. e, se apertar bem os olhos, posso lembrar da próxima vez que me cortarei – sentindo algo como reconhecimento por esta falta que nunca mesmo desaparecerá e que me faz quem eu sou, falha, cicatrizada, pulsante --------

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